Poesia, poemas e poetas
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Poesia, poemas e poetas

26/01/2018 8:52

Em 2012, dei uma entrevista por e-mail à jornalista Dal Pires para uma matéria no Diário do Nordeste sobre novos escritores cearenses. Na época, tinha escrito o livro de poemas “Como um estalo”, o primeiro de uma trilogia de textos curtos. Dal Pires – No site do seu livro (ainda existia o site), você brinca que “Como um estalo” demorou 25 anos para ser escrito. Qual a sua relação com a poesia? Raphael B. Alves – Meu pai é poeta, tem um livro chamado “Coisas livres”, fortemente influenciado pela Guerra Fria e a bomba atômica. Foi a primeira relação que eu tive com poesia, consciente. Queria fazer alguma coisa parecida, mas não tinha vivência suficiente, então copiava os poemas para mim e dizia que eram meus. Depois de um tempo, fui vendo que os poemas não eram meus mesmo e que eu não sabia fazer aquilo, deixei de lado. Quando eu tinha 14 anos, conheci a poesia do Manuel Bandeira, um poema chamado Haicai Tirado de Uma Falsa Lira de Gonzaga (Quis gravar “Amor” / No tronco de um velho freixo: / “Marilia” escrevi.). Aí li a obra completa dele e percebi que dava para fazer coisa parecida. Meus poemas nasceram do Bandeira, mas minha poesia veio de berço. Quando estava com 25 anos, casado com a Patrícia, ela viu uns poemas que eu escrevia e publicava em um blog chamado Como um Estalo, onde eu escrevia prosa curta e poemas curtos. Eu já tinha desativado o blog, mas tinha impresso tudo em um monte de folha A4 e guardado em uma pasta. Ela viu, gostou e quis publicar. Eu não via mais aqueles poemas como meus, porque fazia tempo que os tinha escrito, já via as coisas de um outro jeito. Mas ela agilizou tudo e me mostrou o livro pronto, com os poemas, capa e ilustrações. Botou o livro para concorrer edital e deu certo. Dal Pires – Antes de publicar, onde você fazia os registros poéticos? Mudou alguma coisa na sua relação com a poesia, ter um livro publicado? RBA – Eu tinha um blog chamado Como um Estalo, que tinha como epígrafe um conselho do Italo Calvino: “Quanto mais tempo economizamos, mais tempo podemos perder”. Publicava tudo que eu conseguisse dizer com poucas palavras. Foi uma fase que eu estava fissurado em concisão, estudava isso à exaustão, tentando escrever tudo com o mínimo de palavras. Aquela historinha do Millôr Fernandes, de não escrever com 11 palavras o que pode ser escrito com 10, a não ser que você seja americano e ganhe por palavra. Mas o site era bem feinho, ninguém lia, só uns amigos. Com o livro tudo ficou bonito, mas só os mesmos amigos continuaram lendo. Dal Pires – Alguns poetas comentam, até os mais consagrados, que poesia não vende. Como você vê isso? RBA – Poesia vende, porque ela está em tudo, num carro, numa casa, num bolo etc. O que não vende muito é poema, mas quem disse que ele quer virar produto? Ele é vendido à revelia. Amagrana é o anagrama capitalista. Dal Pires – Você consegue imaginar alguma alternativa para tornar a poesia mais acessível desde cedo, durante a formação de um leitor? RBA – Mais amor em casa. A criança é um poeta nato. Qualquer poema a criança acha legal, mesmo não entendendo, porque está no mesmo nível de construção semântica que ela tem em mente. Ou seja, nada faz muito sentido, ela procura encontrar um sentido pelo binômio erro-acerto. Quando algo causa estranhamento aos pais, ela acertou, caso não, ela errou. Poesia não é nada além disso. Então um conselho aos pais: parede pode ser um amigo, do mesmo jeito que a colher pode ser um objeto de tirar sopa da boca. Cada vez que a gente diz que colher só serve para botar sopa na boca, a gente mata um poeta. Dal Pires – Em que momento o poeta entende que é hora de mostrar o que escreve? RBA – Quando a esposa manda ele mostrar. Ou quando ele confia os poemas a um amigo e pede para que os publique postumamente. Certamente o amigo fará o contrário. Dal Pires – O que significa ser poeta no Ceará? O que da cidade onde vive/convive você coloca no que escreve? RBA – Ser poeta no Ceará é o mesmo que ser poeta em qualquer outra cidade do país ou do mundo. É um pessoal muito parecido, cheio de onda. Minha poesia só nasceu porque eu estava com a barriga cheia, tinha amigos por perto e sabia quase todas as histórias que eles contavam de cor. Para se fazer poesia é preciso confiança. Dal Pires – De fora, a sensação é que os escritores locais se leem pouco ou nem se leem. Você concorda? Costuma trocar experiências literárias com algum outro artista? RBA – Os poetas se leem. O difícil é que novas publicações de novos poetas cheguem às mãos de velhos poetas. Mas entre poetas novos sempre acontecem trocas de experiências. Tem gente nova muito boa: Uirá dos Reis, Ayla Andrade, Cláudio Portella e Alexandre de Lima Sousa. Dal Pires – O seu livro foi publicado por meio de um edital. Qual a importância desse tipo de incentivo? O recurso é suficiente? RBA – Para quem não tem dinheiro para publicar, nem editora, é uma boa solução. O recurso foi suficiente, deu para fazer um livro com bom acabamento, não deixa a desejar aos publicados por grandes editoras. O problema de edital é você não andar com as próprias pernas, é bom ganhar de vez em quando, mas sempre deve ser chato, porque você descobre a fórmula e não tenta fazer uma coisa diferente. O que eu sugeriria para o pessoal que desenvolve os editais é pensar em uma forma de distribuição dos livros. Na maioria dos casos, bons autores não são lidos porque os livros não chegam à estantes das livrarias. Quem já tentou colocar livro na prateleira de alguma boa livraria sabe como a burocracia e os custos fazem com que eles não fiquem lá. Dal Pires – E pra finalizar, quero que você me contextualize sobre o que está fazendo atualmente, onde está morando e como quer ser identificado. RBA – Sou jornalista, nasci, cresci e me desiludi – e vi que a vida é assim mesmo – em Fortaleza. Moro no Crato (não mais) e trabalho em Juazeiro, no Jornal do Cariri (não mais, mas continuo no mesmo grupo). Escrevi o “Como um estalo”, que por falta de vergonha na cara ainda não foi lançado em Fortaleza (nunca foi lançado em Fortaleza), e tenho pronto um segundo livro de poemas chamado “Digital e cheio de dedos”. Os dois são de poemas curtos. Não sei quando o segundo será lançado, espero que logo. A ideia é fazer uma trilogia de poemas curtos, cada livro como se fosse um verso, no final teríamos um haicai em três tomos. O último da trilogia comecei a escrever, mas sem previsão de término.

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