Os encantos de Mundinha
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Os encantos de Mundinha

02/02/2018 8:06

As pessoas mais interessantes são as que sabem cozinhar, seja texto, conversa ou comida. Com a palavra escrita é preciso boa mão, não exagerar nos adjetivos, advérbios, nem nos substantivos. É inventar com o que se tem o que se quer, evitando ao máximo sair para comprar coisas no dicionário ou em citações complicadas; o resultado fica mais caseiro, mais intimista. Ao escrever, não vá compor demais, dica de Bashô, amigo antigo. A conversa requer o mesmo cuidado, deve ser preparada na voz baixa, com trocadilho insuspeito e uma pitada de maledicência. Fala séria demais é igual à comida muito salgada, sente-se do começo ao fim. Conversa boa não se percebe, quando se nota, a moderação já foi às favas há muito tempo. Não desmereço as que são pesadas, mas essas vão de acordo com o estômago do cliente. Há dias em que ele quer apenas um caldo de caridade; noutros, uma bela rabada. E a Mundinha? Confesso que não a conheço. Gostaria, mesmo. Encontrá-la seria realizar um grande sonho; observar suas mãos, o maneio dos dedos, o gesto perfeito. Faz tempo que ouço falar dela, desde adolescente. A história é a mesma, só mudam os pratos: mão de vaca, creme de frango, paçoca, vatapá, cuscuz marroquino e, pasmem, até a incompreendida tripa de porco. Mundinha não tem dó, e eu sofro de ouvido. O que não consigo entender é o porquê da reclusão dessa mulher. Tentei pelas vias menos sutis entrar em contato com ela: suborno, investigação e choro; é impossível. Mundinha é uma ordem iniciática, apenas os merecedores têm o privilégio de sua presença. Os que fazem parte do grupo não revelam o esconderijo nem por tortura. Os que já participaram de um encontro, mas não foram aceitos, não abrem o bico com medo de represália por parte dos mundicos, os seguidores da cozinheira. Reza a lenda, ninguém sabe como a informação vazou, que para ser membro do círculo hermético da boa mesa uma única prova precisa ser cumprida, conhecida como “O dorminhoco”. Depois de farto banquete, com direito a um digestivo licor de jenipapo, Mundinha pede para que o iniciante se deite em uma rede branca. Ela vai à cozinha e, com rosto indecifrável, volta com um pedaço de pudim num pratinho vermelho. Com voz suave, pede para que o manjar seja apreciado. O neófito, despreparado, come e dorme. Ao acordar, é convidado a se retirar, sem data de retorno. Um amigo, que foi e dormiu, revelou o segredo da iniciação: “Mundinha exige que o prazer seja consciente”.

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