Carla Macedo ou fome de mamãe
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Hidrogenio verde e o combustivel do futuro

Carla Macedo ou fome de mamãe

01/06/2018 8:24

Barriga redonda, grande, lustrosa. Carla sente desejo de comer as coisas mais estranhas, algumas até perigosas: feijão com camarão, banana com macarrão, leite com manga, café com água gelada. Ela sai andando lentamente pela rua, vendo crianças que um dia irá parir. Carla chega perto de uma menina de cinco anos -- se muito -- e pede um pouco de pipoca. A garota dá sem problema, só franze o rosto quando Carla mete a mão no saco para pegar o segundo bocado. Sai com a boca cheia, balbuciando algo que não dá para entender. A criança pensa que existe muita gente mal educada no mundo, mas que é preciso ter paciência. "Pelo menos é o que mamãe sempre diz", resigna-se a garotinha, com o rosto, agora, desanuviado. Carla continua o trajeto, sempre cheia de desejos, disposta a saciá-los sem nenhum peso na consciência. Ao passar por crianças solitárias ou em grupo, trata logo de mexer com elas, tentando intuir como seria a reação de suas filhas nessas situações. Pega uma bala, estoura um balão, chuta uma bola bem para longe, coloca o pé para que alguma das traquinas caia. Está disposta a ir às últimas consequências. Em um parquinho na praça, pega o pirulito de uma garotinha desprotegida. A coitada começa a chorar. "Vem cá, minha filha, você está pensando que é quem? Que está mexendo com filha de maria-niguém? Ela tem mãe, viu? E eu vi o que você fez. Desse tamanhão, com esse barrigão, implicando com uma criança! Se enxerga, mulher", diz a mãe da menina que teve o pirulito roubado por Carla. A trituradora de comida, a esgalamida, a glutona, a comilona, dá de ombros, joga o pirulito no chão e segue caminho. Nem parece estar com a barriga já pela boca. A respiração ofegante mostra isso, mas ela segue adiante, quer chegar a algum lugar. Enquanto não atraca no derradeiro destino, segue implicando com meninas das mais diferentes idades, classes sociais -- acompanhadas ou não de adultos. As pessoas recebem os descalabros de Carla com espanto, com descrença, com uma negação tremenda que as deixam imóveis, sem ação. Em nenhum momento a Polícia é chamada, sequer um guarda municipal. Nada, necas, coisa nenhuma. Carla reina. Parece filha única em ataque de carência, ferindo todos os familiares mais próximos. Insuportável, intragável, ligeiramente paranoica. Carla segue indiferente, pratica mais alguns desatinos. Chega a uma loja. "Hospital de brinquedos", lê-se. Ela entra sem sutileza e interpela a balconista: "Vim pegar minha filha". A balconista sai e volta com uma meninazinha de seis meses, no máximo, nos braços. Bico na boca, macacãozinho rosa, silenciosa. Carla puxa a bebezinha dos braços da balconista, coloca nos seus, deixa a loja batendo a porta: emburrada, bronca, estúpida. Faz o caminho de volta para casa mais serena. Abre a porta, não tem ninguém. Carla despe a bebezinha, cheira a barriga fofinha e vai futucando o umbigo daquela coisinha até fazer um buraco. Primeiro coloca uma bonequinha pequena que, ao passar, alarga o rombo. E assim coloca uma maior, outra um pouco maior, outra maior ainda, como se fosse uma bonequinha russa: matriosca. Quanto mais bonecas de tamanhos variados coloca dentro da bebê, mais ela incha. Até que a barriga se desfaz, descostura, saindo tudo o que estava dentro, com direito às estopas de preenchimento. Carla rasga pela quarta vez, em menos de um mês, a sua boneca "Meu Bebê", da Estrela . Carla Macedo tem dez anos e sonha que sua filha seja mãe de 11 gêmeos, igual à indiana do WhatsApp. Ela não sabe que a notícia é falsa. Carla é filha única e está muito acima do peso.

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